quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Bom Dia é um modelo que deu certo


Márcio ABC - Diretor de Redação da Rede Bom Dia - Foto de Cristiano Zanardi do Bom Dia Bauru

Márcio ABC já escreveu um livro, tem uma filha, atua no jornalismo impresso desde sempre, tendo passado pelo Grupo TV TEM antes de iniciar na rede Bom Dia. Tive o privilégio de conhece-lo como profissional, quando foi meu editor executivo na redação do extinto Diário de Bauru, na década de 90. Perdemos o contato pessoal, mas não o respeito mútuo. E hoje ele fala ao blog um pouco do que é o desafio de comandar os jornais do Grupo Traffic, de Jota Hawilla. Veja abaixo:

Blog - O Bom Dia é um modelo que deu certo?
ABC - Sem dúvida. O BOM DIA, no início, enfrentou uma desconfiança natural em relação a qualquer novo produto. Será que veio para ficar? Não é mais um desses jornais que abrem e daí a pouco tempo fecham as portas? Eram perguntas comuns que nós ouvíamos. Depois de cinco anos, há uma outra postura do mercado leitor e do mercado anunciante. Ninguém mais pergunta se o BOM DIA veio para ficar. As pessoas agora se perguntam o que o BOM DIA vai trazer de novo amanhã. Porque o modelo adotado pelo BOM DIA inclui essa inquietação, esse dinamismo tão próprio da sociedade moderna. A proposta de jornalismo objetivo e humanizado, com foco na cidade, mas não se esquecendo da necessidade que o leitor tem de se informar sobre o país e o mundo, vem conquistando seu espaço. Hoje, o BOM DIA tem um público fiel que está crescendo a cada dia.

O tamanho berliner será mantido? Pegou?
Sim. Esta é uma tendência irreversível. Aliás, nem é mais uma tendência. É uma realidade. A comodidade para o manuseio e as facilidades que esse formato permite para melhor organizarmos o conteúdo num só ambiente, sem aquela confusão de cadernos e mais cadernos, são aspectos fundamentais para o leitor de hoje.

Qual das praças dá mais retorno hoje ao grupo?
O retorno hoje é praticamente linear. O que percebemos é que o BOM DIA atinge, em cada uma de suas praças, um mercado proporcional à população local. Não há uma praça que vai muito melhor ou uma que vai muito pior. Claro que há particularidades e momentos distintos em cada uma das praças, momentos esses influenciados por questões locais. Mas no âmbito geral, não há discrepâncias. E isso é na nossa avaliação um sintoma claro de que o projeto está no rumo certo porque a aceitação do jornal nos mercados leitor e anunciante crescem na mesma proporção. O BOM DIA é hoje um dos jornais que mais ganham mercado no Brasil. Nossos índices estão bem acima da média nacional. Para você ter uma ideia, em 2009 crescemos cerca de 40% em relação a 2008. E em 2010, por incrível que pareça, estamos repetindo a dose. É um crescimento fora da realidade da grande maioria dos jornais. Ou seja, o projeto emplacou mesmo.

A rede Bom Dia investe em terceirização de profissionais, ou seja, prefere contratar sem vínculo empregatício. Isso não contribui para o fim dos jornalistas como você, que nasceram e cresceram dentro de redação?
Há aqui duas questões para serem explicadas. Primeiro, o BOM DIA tem equipes contratadas com base na CLT, equipes que recebem além do que manda a lei. Elas têm inclusive vários benefícios importantes, como plano médico, vale-alimentação, auxílio-creche, ou seja, o BOM DIA obedece a todos os parâmetros da lei e procura, à medida do possível, estimular suas equipes com pagamentos, por exemplo, acima do piso do sindicato. E detalhe: quando o funcionário pede demissão ou é demitido, não fica a ver navios como ocorre com muitas empresas no Brasil. Não precisa ficar pedindo pelo amor de Deus para que a empresa acerte seus direitos. O BOM DIA cumpre rigorosamente todas as suas obrigações tributárias. Paga todos os impostos. Está absolutamente dentro da lei. Tanto é que dificilmente é processado. E dificilmente perde um processo. Por quê? Porque está sempre dentro da lei. O segundo ponto refere-se ao que você chama de terceirização. Há projetos que o BOM DIA desenvolve e que são produzidos por jornalistas frilas. Profissionais que são contratados para executar determinado trabalho. E há também profissionais que prestam serviço ao BOM DIA e para receberem seu dinheiro dão nota fiscal. Ou seja, os impostos são pagos, independentemente do modelo adotado para esta ou aquela produção de conteúdo. Eu não só acho que esse procedimento não contribui para o fim dos jornalistas que, como eu, nasceram e cresceram dentro de redação. Eu vou além: eu acho que esse procedimento abre novos campos de trabalho para os profissionais de jornalismo. Em vez de escravizar suas redações, enfiando trabalho e mais trabalho nos profissionais, o BOM DIA paga para frilas fazerem trabalhos extras ou para fornecerem determinado tipo de conteúdo. Ninguém está perdendo. Está ganhando.

Para 2011, qual a meta do grupo? Novos cadernos, novos investimentos?
O planejamento para 2011 está sendo concluído. A principal meta do grupo é manter o crescimento, não sei se em níveis tão elevados como foram os dois últimos anos, mas algo próximo disso, o que nos trará uma nova fatia de mercado. Certamente teremos investimentos fortes em conteúdo local, que é nosso foco. E estamos fazendo um grande investimento em nossos parques gráficos, localizados em São Paulo e em Rio Preto. Em 2011, Rio Preto e Bauru receberão grandes rotativas. Teremos um novo patamar de produção industrial, sempre visando esse crescimento do jornal para o qual devemos estar preparados em todas as nossas áreas.

Em Rio Preto houve uma reestruturação das colunas sociais, que hoje são três e com focos diferentes. Essa é uma tendência, uma linha própria ou apenas coincidência devido as acomodações de mercado de cada cidade?
O nosso projeto inclui uma característica fundamental para dar certo: estar aberto às particularidades de cada uma de nossas cidades. De nada adianta você ter um projeto engessado, que olha para todas as praças com o mesmo olhar. Não, o BOM DIA não comete esse erro. Estamos atentos às demandas específicas de cada cidade. E nesse caso Rio Preto apresenta uma alta demanda. A cidade tem essa características de valorizar as colunas sociais. O que nós procuramos fazer é dar cada vez mais qualidade a essas colunas. Fugir das coisas que consideramos ultrapassadas, mas dar vazão aos conteúdos que a sociedade pede.

Blog - O que você mudaria no Bom Dia Rio Preto, que ainda não foi possível?
ABC - Eu mudaria o que já estamos mudando aos poucos e vamos ganhar muita força a partir de 2011, ou seja, faria um jornal mais colorido e com mais páginas locais. Isso ainda não foi possível por questões industriais. Mas será a partir do ano que vem.

Blog - Qual a ingerência do presidente do Grupo, J.Hawilla, sobre a linha editorial: total, parcial ou nenhuma?
ABC - Eu vou dizer uma coisa aqui e tenho certeza de que muita gente vai ter a seguinte reação: “ah, até parece”. Sou diretor de redação do BOM DIA há quase três anos. Eu era editor-chefe de uma de nossas praças e assumi a função atual em janeiro de 2008 junto com o diretor-geral Flavio Pestana. Posso dizer, sem qualquer dúvida, que nunca fui obrigado a nada. Nunca o Hawilla ou o Pestana me disse: não dê tal assunto, dê mais ou menos destaque para isso ou aquilo e coisas do tipo. O Hawilla e o Pestana são muito participativos. São críticos, questionadores. Cobram qualidade do jornal. Mas sempre defendem a nossa linha bastante democrática e independente. Você pode não acreditar (outra vez), mas o que ocorre às vezes é que eles acham que nosso jornalismo deveria ter sido mais ousado, mais crítico, mais contundente em alguns aspectos. Eu acho que essa coerência do presidente do grupo e do diretor-geral do jornal com a nossa linha editorial é fundamental para podermos fazer um bom trabalho. Porque não dá para trabalhar quando você tem um projeto editorial e quem manda quer fazer tudo diferente. Enfim, o BOM DIA conseguiu, por muito mérito do Hawilla e do Pestana, atingir esse grau de amadurecimento. Talvez esse seja um dos motivos que levam um jornal de apenas cinco anos ter credibilidade nas cidades onde atua.

Blog - Qual é seu grande desafio à frente da rede, que começou com três praças e hoje tomou uma nova dimensão?

ABC - O meu desafio é contribuir para que essa grande rede que estamos formando (neste mês abriremos mais duas praças: em São José dos Campos e Taubaté) esteja a cada dia em novas regiões, levando um jornalismo de qualidade e independente, mostrando que a informação bem entregue é um patrimônio riquíssimo para quem deseja uma permanente evolução da sociedade. No BOM DIA, esse é meu desafio, fazer com que o jornalismo seja fundamental para nosso público, para pessoas que querem um veículo de comunicação no qual possam confiar.

Blog - Especulações de bastidores indicam que os jornais da rede não dão lucro, isso procede?
ABC - Depende de como as pessoas avaliam a palavra “lucro”. Se você analisar os números de maneira independente, vai ver que o BOM DIA ainda gasta mais do que fatura. Mas você não pode analisar números fora de um contexto. Qual é esse contexto ao qual me refiro? Há um projeto em que o Grupo Traffic, do qual faz parte o BOM DIA, planejou um determinado período de investimento. Nós estamos nesse período. Eu disse há pouco que estamos investindo em parques gráficos. Não há como você fazer grandes investimentos numa empresa nova e ter lucro imediato. O que eu posso dizer a você é que o faturamento do BOM DIA cresce hoje acima do que cresce o meio jornal. Ano a ano, estamos crescendo muito. Há ainda outros argumentos importantes sobre o assunto: não há empresa do porte do BOM DIA que pense em lucro antes de sete ou oito anos, no mínimo. Pode fazer qualquer pesquisa de mercado e você chegará a essa conclusão. Fora isso, o nome BOM DIA hoje tem um valor que não se pode desprezar. Esses aspectos ficam de fora na hora em que nos bastidores pessoas interessadas em deturpar a realidade inventam esse tipo de informação, ou seja, uma informação desprovida de fundamento, de seriedade. Mas isso não influencia em nada no nosso dia a dia. Motivo: temos um projeto e seguimos à risca esse projeto. Temos o amparo teórico do projeto idealizado sob a batuta do Matinas (Suzuki Jr.) e o amparo prático daqueles que acreditam no projeto e nos dão condições para levá-lo adiante: Hawilla e Pestana.

Blog - Uma pergunta pessoal,( que você responde se desejar): nos conhecemos desde os áureos tempos do Diário de Bauru e posso dizer que você viveu uma paixão fulminante, que resultou num casamento e numa filha. Isso acabou. Vc acha que a sua atuação profissional contribuiu para isso? Ou seja, hoje em dia os casamentos não resistem às exigências de mercado, que impõem dedicação, tempo quase integral fora de casa? O trabalho contribuiu para a falência da sua vida conjugal?
ABC - Bom, eu não considero que houve uma “falência” de minha vida conjugal. Eu e minha mulher decidimos que não deveríamos continuar nossa vida a dois. Que deveríamos tomar um outro rumo. Isso no melhor clima possível de cordialidade e amizade. Somos muito amigos. Vivemos juntos durante dezoito anos e fomos muito felizes. Eu digo a vários amigos que meu casamento deu muito certo. Porque foi um casamento longo que nos fez crescer muito. Eu aprendi muito com minha mulher. Acho que me tornei um ser humano um pouco melhor, acho que debaixo da saia dela (rs) pude evoluir intelectualmente, pude me tornar mais sensível, pude desenvolver algumas potencialidades que sem ela eu não teria sido capaz. Minha mulher foi fundamental na minha vida. Sem ela, eu acredito que teria sido uma pessoa pior. Não que eu seja tão bom assim, mas sempre é possível ser pior, não é? E tenho certeza de que ela fez isso por mim, me transformou, me fez ir adiante, me fez feliz. Espero ter feito algo semelhante a ela. Se eu fiz por ela 10% do que ela fez por mim, já fiz muito, entende? Também digo a meus amigos que eu e minha mulher nos separamos super bem porque, além de tudo isso, temos uma filha e uma cachorrinha (rs). Elas dependem muito de nós dois. Sobre a atuação profissional contribuir para acabar com casamentos, eu não acho que seja assim. O que eu acho sinceramente é que hoje as pessoas têm mais coragem e condições para tomarem esse tipo de decisão, uma decisão que por mais tranquila e consciente que tenha sido é sempre muito dolorosa. Até há um certo tempo, muita gente era obrigada a arrastar até o fim casamentos que não tinha mais porque ir adiante. Mas ia adiante porque as pessoas preferiam manter as aparências que a sociedade e até a família esperavam delas. Isso está mudando. Acho que as pessoas estão menos hipócritas nesse sentido. Veja bem, eu não estou generalizando, ok? Não estou dizendo que todo casamento longo é hipócrita ou coisa parecida. Nem fazendo apologia ao fim de todos os casamentos (rs). Há casamentos fantásticos, com pessoas que se amam até o fim. Mas há também o outro tipo. E diante disso, acho que as pessoas devem se posicionar. A influência profissional, nessas situações, pode ser para o bem ou para o mal. Muitas vezes, até ajuda a salvar casamentos monótonos. Acredito que o contrário também deve acontecer.

Blog - Quais seus planos profissionais para os próximos 10 anos?
ABC - Olha, aos 35 anos, eu tinha um plano muito claro na minha cabeça. Eu ficaria no máximo até os 40 anos no jornalismo diário. Eu achava que essa era uma idade ideal para buscar novos rumos dentro da minha profissão ou num âmbito de algum modo ligado a ela. E realmente dei o primeiro passo para isso. Em 2003, com 39 anos, eu deixei a TV Modelo (atual TV TEM) para me dedicar à carreira acadêmica. Comecei inclusive a fazer mestrado na Unesp, onde também dava aulas. Mas, de repente, surgiu o BOM DIA. O projeto mudou minha cabeça. É um projeto muito atraente para quem gosta de fazer jornalismo. E eu alterei meus planos. Voltei para o jornalismo diário. Então, acho que essa história de plano é uma roubada, isso sim (rs). Hoje, o que eu sei é que estou a mil por hora dentro do projeto do BOM DIA, como eu disse antes, tentando contribuir da melhor maneira possível para que o projeto se consolide cada vez mais. Fora jornalismo, eu devo lançar ainda este ano (estou dependendo da editora) meu segundo romance, que é algo que eu gosto muito de fazer. Acho que daqui a dez anos, sinceramente, o ideal é que eu já tivesse condições de pendurar as chuteiras no jornalismo (rs).

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